05 setembro 2013

Alfabeto Fonético Internacional for dummies

Com a vindoura videoaula que eu já terminei *todo mundo pula e dá um soco no ar!*, e já adianto que será sobre pronúncia, me deparo com uma boa oportunidade para um post sobre o famoso (?) Alfabeto Fonético Internacional.
Mentira.
Não lembro onde eu li algo sobre pronúncia que dava uma ilustração de uma situação clássica até, que citava uma fala de um ~cero mano~ procurando um dicionário, que era mais ou menos assim: "Não sei por que todos esses dicionários vêm com esses simbolozinhos estranhos do lado das palavras. Isso não me ensina a pronunciar nada! Queria um dicionário em que a pronúncia das palavras viesse exatamente como se fossem em português."
Em tempo: por favor, entendam o sarcasmo constante da transcrição barbarista "cero mano", sim?
Primeira coisa: Esses "simbolozinhos estranhos" têm nome e o nome deles é Alfabeto Fonético Internacional.
Segunda coisa: Eles te ensinam a pronunciar SIM - e qualquer idioma que você se atreva!
Terceira coisa: Por último, mas nunca menos importante: Meu amigo, você querer um dicionário desse jeito é simplesmente pedir, implorar, suplicar, espernear para aprender a falar com sotaque.
Eu já vi um dicionário assim. Era de inglês. Não lembro o nome. Mas tinha a pronúncia das palavras em itálico como se fossem ditas em português, com letrinhas do nosso alfabeto latino conhecidas por todos e inconfundíveis! Só que... Tosco, no mínimo, para não dizer outra coisa. Nem inspira respeito. Mas continuando.

O Alfabeto Fonético Internacional é mais antigo do que se imagina: sua criação data de 1886, por um grupo de professores ingleses e franceses (a despeito da rixa histórica entre França e Inglaterra?).
Esse simpático sistema conta com letras dos alfabetos latino e grego e algumas que não integram alfabeto nenhum, totalizando 107 letras, 52 diacríticos (sinais gráficos que representam alteração de pronúncia) e 4 marcas de prosódia (ritmo e entonação das palavras) - mas você não vai ter que decorá-lo, ok? Até porque ele engloba tantos idiomas que isso seria até inútil.
Ah! Ele não deve ser confundido com aqueles alfabetos fonéticos de soletração, de antes da Segunda Guerra Mundial, que atribuíam uma palavra para cada letra do alfabeto, possibilitando a soletração das informações. Um não tem nada a ver com o outro!

Bom. Se você pegar um dicionário bilíngue (o Michaelis, por exemplo, que quase todo mundo tem em casa), vai notar que logo nas primeiras páginas tem duas seções de transcrição fonética: uma do idioma em questão e outra do próprio português.
Como eu não tenho tempo nem saco para codificar aquelas tabelas e caçar os caracteres no charmap para transcrevê-las para vocês, peguem o Michaelis mais próximo e acompanhem do conforto das vossas cadeiras. Se vocês não tiverem um, peçam para o amigo, a prima, o colega, a vizinha - alguém sempre tem, não precisa ser dicionário de alemão.

Dicionário na mão?

Olha só. Primeiro, se atenha à transcrição do português para entender melhor, e depois vá para o entendimento do outro idioma (se for o alemão, ótimo!).
A primeira coisa a notar é que vários dos sons são representados pela própria letra que usamos para escrever. É o caso de b, d, f, g, k, l, m, n, p, r, s, t, v e z, assim como as vogais. O resto, pode ser que você não reconheça. E se você pular para inglês ou alemão agora (apenas exemplificando!), vai ficar mais desesperado ainda. Algumas dessas letras também fazem parte do alfabeto latino; outras são gregas, e algumas não pertencem a alfabeto nenhum. Mas vamos nos ater primeiro ao que é fácil.
Coisinha básica: a transcrição da pronúncia é geralmente indicada entre colchetes [que são esses sinais] ou /entre barras/.
Próximo detalhe: folheie algumas páginas e note que todas as palavras que não são monossílabas trazem um apóstrofo em algum lugar da transcrição. Esse apóstrofo indica a sílaba tônica da palavra.
Viu, você já está aprendendo a interpretar o AFI!
Vamos às próximas regras.

Algumas letras do nosso conhecido alfabeto que integram o AFI merecem atenção especial, porque não representam o som que conhecemos delas. Os principais casos são o j, que representa o i breve (vai lá ver a transcrição de "secretária" como está) e o w, que representa o u breve de quando dizemos "sal" ou "curau". Esses dois são chamados de semivogais. Há também o y, que representa o u francês - que, aliás, também é o mesmo som do U-Umlaut alemão.

Transcrição fonética do Português

No português, o que você vai ver de diferente são todas as vogais com til (ã, ẽ, ĩ, õ e ũ), que representam as vogais nasais (como em manta, fenda, pingo, fonte, mundo).
Mais uma coisa a respeito das vogais que vale a pena notar é que a diferente pronúncia das vogais aberta e fechada também têm letras latinas diferentes. Por exemplo, o A que dizemos como em "carro" é representado pela própria letra a, mas o A de mesa vira uma letrinha parecida com um E de ponta-cabeça: ə. Já o A fechado, como o de "cama", é representado por por uma letra grega: Λ. O E aberto (como o de "férias", tendo acento ou não) é representado por uma outra bonitinha: ɛ - e o O aberto (como o de "pódio", também não necessariamente acentuado) é mostrado por uma letra diferente: ɔ.

No que tange às consoantes, as peculiaridades da transcrição do português são poucas. A primeira se refere ao nosso J (e também a ge e gi). A letra usada é ʒ (ezh). Por exemplo: [ʒir'afə], [ʒest'ãti], [ʒuven'iw].
Também temos o λ (lambda), que representa o lh: [k'aλə], [v'ɛλu]. Para o nh, uma importada do espanhol: ñ (eñe), como em [gal'iñə], [ẽp'eñu]. O R é um caso peculiar. Para o r brando, como em aro, porta, será, usa-se o r simples; para o r forte, como em carro, rota, rolha, há um r com um tracinho em cima (que eu não achei no charmap, mas espero que vocês entendam). E por último, das mais fáceis de assimilar é a ʃ (esh), que dá o som do chiado, justamente de ch e x: [ʃ'ikarə], [ʃar'ɔpi], [ʃ'eju], [ʃapɛ'w].
Já dá para tentar entender as palavras que eu coloquei apenas a transcrição no parágrafo anterior? Girafa, gestante, juvenil, calha, velho, galinha, empenho, xícara, xarope, cheio, chapéu. Olhe de novo! Nem é tão difícil assim.
Todas as outras consoantes, como citado anteriormente, são representadas pelo som delas que conhecemos.

Transcrição fonética do Alemão

Aqui o buraco vai um pouco mais embaixo.
Note primeiro todas as vogais seguidas de dois-pontos, inclusive as abertas e com Umlaut (a:, e:, ɛ:, i:, o:, ø:, u: e y:) - elas representam as vogais longas, ou seja, aquela cuja pronúncia é mais acentuada, alongada. Esse ø representa o fonema do ö, ok? O restante vocês já sabem - inclusive a presença do ə, que ilustra aquele E final de palavras como em danke, meio "surdo". E para os três ditongos, nenhuma novidade: /ai/, /au/ e /ɔi/.

As consoantes têm um pouco mais de detalhes, como o C sozinho (raro no alemão), que assim como o Z é representado por /ts/. As variações do CH são ilustradas por /ç/ (como em ich), /x/ (como em lachen), /ʃ/ (precedido de S, como em schaffen), /ks/ (sucedido de S, como sechs) ou /k/ (em palavras estrangeiras que preservam esse com, como Chor). O G de palavras importadas do francês, como Garage, segue o do português, usando o /ʒ/.
Outro fonema interessante do alemão é o do ng e nk (jung, Tank), que não é igual a simples N nasal. Ele é representado pela letra letina ŋ (eng). A representação do qu, que sempre deve ser lido como em "quadrado", é /kv/, e a do x, que é pronunciado sempre como em "táxi", é /ks/.
Já citei o S que precede o CH, representado por /ʃ/, e saiba também que S seguido de T e de P (Speck, Stern) também tem esse som - as representações são /ʃp/ e /ʃt/.
Agora, folheie o dicionário de alemão aí para ver que você já entende ^^

Observações

Como nem tudo nessa vida é perfeito, é meu dever observar um aspecto importante do AFI: ele tem variações, ou seja, não é igual em todo dicionário que você abra. Ou melhor dizendo, existem diferentes "níveis" de transcrições, do mais simples ao mais detalhado, e dependendo do material que você tiver em mãos, pode ter uma apresentação diferente. Aqui nesse post, eu usei como referência o meu amigo Michaelis, que mostra uma transcrição simplificada (mas perfeitamente inteligível); mas eu tenho em casa um miniguia de conversação para viagem que tem uma transcrição com mais detalhes, como sílaba tônica secundária e parada glotal.

Já ensinei para vocês um pouco desse interessante e eficiente sistema, agora cabe a vocês ter a curiosidade e o empenho de assimilá-lo, para assim ter uma melhor compreensão da pronúncia, seja lá a língua que você esteja aprendendo.
No alemão, em particular, a pronúncia é bem padronizada; ao que você aprende os fonemas, consegue identificá-los de ouvido mesmo que não conheça a(s) palavra(s) que está ouvindo. E da mesma forma ao ler, você já associa a grafia das palavras aos fonemas conhecidos e aprendidos. Como você vê, um dicionário é uma ferramenta deveras útil, não só para consultar traduções de palavras, mas também para auxiliar o aprendizado e literalmente descobrir "como é que se diz tal coisa em alemão". Não é só a grafia e o significado. A pronúncia está ali também! Basta você saber interpretá-la (ler as páginas iniciais do dicionário dá uma ajuda e tanto). Wir müssen nur wollen!

Até o próximo post! :D


Fontes das informações: Alfabeto Fonético e Wikipedia. Acesso de ambos em: 29 ago. 2013.
Referência para exemplificação: KELLER, A. J. Dicionário Escolar Michaelis Português-Alemão. 2. ed. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2009.
Esta obra é licenciada sob os termos da Creative Commons - Attribution ShareAlike 4.0 Internacional. Pode copiar o conteúdo? Pode! Pode escrever algo derivado daqui? Pode! Mas você deve licenciar a sua obra sob os mesmos termos! Saiba mais na página da licença do blog. Mantenha livre o conteúdo livre. Mas não é porque é livre que é festa; respeite o trabalho da autora e dê os devidos créditos. Plágio é crime!

Posts Relacionados

Hey du! Novo(a) por aqui? Não perca nenhuma aula - vá direto ao primeiro post!